quinta-feira, 11 de outubro de 2012

POIS É ...



Vou confessar um pecado quase capital: sempre que posso vejo um episódio da telenovela Gabriela.

Não por algum acesso de saudosismo ou para sentir que tenho de novo 17 anos. Não para fazer de “velho dos marretas” e dizer… ah a velha versão com a Sónia Braga e o magnífico Paulo Gracindo era incomparavelmente melhor”.


Faço-o porque o fascínio provocado pelos personagens se mantém, essencialmente pela actualidade dos arquétipos construídos, sendo o mérito do baiano que escreveu o romance naquele seu jeito açucarado de fingir que engana a crueza do quotidiano.

São personagens de todos os tempos, nas suas ambições, nos seus tiques autoritários, nas suas paixões, nas suas solidariedades de classe, nas ambições desmedidas, na honestidade, na frontalidade, no fingimento, na dissimulação.

Andando pelas ruas de hoje não reconhecemos a figura do coronel Ramiro Bastos, com a certeza de que tem os votos na mão e o apoio de coronéis a quem a falta de inteligência é compensada pela subserviência e disponibilidade para servir?

Não reconhecemos a beata (com ou sem religião) que a vida secou e que pretende ser a guardiã da moral e bons costumes?

Quem é que nunca se cruzou com o coronel Altino Brandão que, sentindo o vento a mudar, se passa para o lado da modernidade representada por Mundinho Falcão sem no entanto sair da órbita do velho dono da cidade?

Quantas Malvinas cheias de independência e livre pensamento não cruzam as ruas da Ilhéus de hoje e quantas Gerusas não escondem as suas paixões na busca da aceitação social e familiar a todo o custo?

E os trabalhadores das plantações de cacau? Não são os mesmos que fazem hoje turnos de doze horas e arriscam o despedimento por “dá cá aquela palha”?

Não me digam que nunca repararam no professor Josué, mal pago e desconsiderado, a concorrer todos os anos e a ficar desempregado porque o coronel Nuno Crato diz que há professores a mais quando na realidade o que há é escola a menos?

Tantos personagens que continuam a existir na Ilhéus de hoje, mudando apenas as formas de comunicação ou a qualidade da brilhantina que colocam no cabelo.

E os negociantes da cidade não têm hoje as mesmas características da Ilhéus de Jorge Amado? 



Será diferente o pragmatismo do turco Nacib ou da Maria Machadão, do pragmatismo dos actuais “empreendedores”?

Não conhecemos todos personagens como as trabalhadoras do Bataclan, com as suas lições de filosofia, a sua solidariedade e consciência de classe, de longe as menos hipócritas de todas?

Pois é… Ilhéus pode ser a cidade que quisermos e certamente será também a nossa. 
É uma questão de estarmos atentos que logo tropeçaremos no Tonico Bastos, na Olga, na Sinhazinha, no Osmundo… já encontrar a Gabriela é mais complicado, porque a liberdade é muito mais rara e não está ao alcance de qualquer míope.

E.L.

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sexta-feira, 5 de outubro de 2012

ONDE ISTO CHEGOU?

quarta-feira, 3 de outubro de 2012

LÁ VAI O PORTUGUÊS...



Lá vai o português, diz o mundo, quando diz, apontando umas criaturas carregadas de História que formigam à margem da Europa.


Lá vai o português… lá anda. Dobrado ao peso da História, carregando-a de facto, e que remédio – índias, naufrágios, cruzes de padrão (as mais pesadas). Labuta a côdea do sol-a-sol e já nem sabe se sonha ou se recorda. Mal nasce deixa de ser criança: fica logo com oito séculos.

 
No grande atlas dos humanos talvez figure como um ser mirrado de corpo, mirrado e ressequido, mas que outra forma poderia ele ter depois de tantas gerações a lavrar sal e cascalho? Repare-se que foi remetido pelos mares a uma estreita faixa de litoral (Lusitânia, assim chamada) e que se cravou nela com unhas e dentes, com amor, com desespero, ou lá o que é. Quer isto dizer que está preso à Europa pela ponta, pelo que sobra dela, para não se deixar devolver aos oceanos que descobriu, com muita honra. E nisto não é como o coral que faz pé firme num ondular de cores vivas, mercados e joalharia; é antes como o mexilhão cativo, pobre e obscuro, já sem água, todo crespo, que vive a contra-corrente no anonimato do rochedo. (De modo que quando a tormenta varre a Europa é ele que a suporta e se faz pedra, mais obscuro ainda).

Tem pele de árabe, dizem. Olhos de cartógrafo, travo de especiarias. Em matéria de argúcias será judeu, porém não tenaz: paciente apenas. Nos engenhos da fome, oriental. Há mesmo quem lhe descubra qualquer coisa de grego, que é outra criatura de muitíssima História.

Chega-se a perguntar: está vivo? E claro que está: vivo e humilhado de tanto se devorar por dentro. Observado de perto pode até notar-se que escoa um brilho de humor por sob a casca, um riso cruel, de si para si, que lhe serve de distância para resistir e que herdou dos mais heróicos, com Fernão Mendes à cabeça, seu avô de tempestades. Isto porque, lá de quando em quando, abre muito em segredo a casca empedernida e, então sim, vê-se-lhe uma cicatriz mordaz que é o tal humor. Depois fecha-se outra vez no escuro, no olvidado.

Lá anda, é deixá-lo. Coberto de luto, suporta o sol africano que coze o pão na planície; mais a norte veste-se de palha e vai atrás da cabra pelas fragas nordestinas. Empurra bois para o mar, lavra sargaços; pesca dos restos, cultiva na rocha. Em Lisboa, é trepador de colinas e de calçadas; mouro à esquina, acocorado diante do prato. Em Paris e nos Quintos dos Infernos topa-a-tudo e minador. Mas esteja onde estiver, na hora mais íntima lembrará sempre um cismador deserto, voltado para o mar.

É um pouco assim o nosso irmão português. Somos assim, bem o sabemos.

Assim, como?

José Cardoso Pires 
E Agora, José ?

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segunda-feira, 1 de outubro de 2012

ACORDA...!

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