quarta-feira, 29 de agosto de 2012

NOVO LIVRO DE RUI CARDOSO MARTINS

Chega às livrarias a 24 de Setembro o novo livro de Rui Cardoso Martins 
 



































O narrador parte com quatro amigos, todos eles a atravessarem uma fase menos boa nas suas vidas, para uma viagem através dos Estados Unidos da América. 
De Nova Iorque até ao Sul profundo e em seguida para o Norte, até às Cataratas do Niagara, já na fronteira com o Canadá, atravessam um país de profundos contrastes onde vão viver aventuras umas vezes divertidas, outras perigosas, se não mesmo fatais. 
A viagem é, para cada um deles, um encontro sem concessões consigo mesmo e com as memórias de vidas muito diferentes, em que tudo se joga e às vezes tudo se perde, mesmo a vida.

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COR-DE-ROSA LARANJA

















Do que gosto no novo Acordo Ortográfico, tão inclinado para o Brasil, é do seu lado português, como eu: um bocado feito em cima do joelho. Matou a paz da língua (e nisso está de acordo com o espírito económico e político do seu tempo, aspecto importante… espera, aspeto).

Já nem conseguimos olhar um pôr do Sol sem pensar como é que se escreve. Cheguei à conclusão, talvez precipitada, de que o… o pôr-do-sol… é uma coisa usual, uma vez que acontece todos os dias na minha terra, e todos os namorados, tristes ou felizes, falam dele e imputam-lhe responsabilidades, portanto devia manter os hífenes.

Espera aí, pôr do Sol já não tinha hífen antes do acordo. Malditos.

Vamos discutir o problema depois da descrição da viagem: vinha pela A6, do Alentejo, na auto-estrada que rasga o país de leste a oeste, paralela ao Tejo dos bravios penedos espanhóis, das portas de Ródão, da lezíria ribatejana, das tágides nuas de Lisboa, blá-biá, cai o Sol na planície alentejana e deixa-me ver, em recorte, a silhueta cabeçuda dos sobreiros, o quadrúpede pertil das vacas que pastam ao anoitecer. Extraordinária Natureza!, os tons do crepúsculo, brilhantes e contrastados, num céu que deixou de ser azul, persegue o púrpura mas ainda não é, pintado naquelas cores maravilhosas das flores, dos frutos, das mucosas frescas, rosa, laranja… é verdade, meninos, como é que se escrevem agora as cores, já vos ensinaram na escola?

- Cor-de-laranja perde os hífenes e passa a cor de laranja, mas cor-de-rosa mantém os hífenes.

-Hã?!

Como é que é? Há crianças a dar aulas aos colegas sobre mudanças concretas dá língua portuguesa, cada aluno explica uma regra nova do acordo (agora passam nisto os dias), e cor-de-rosa mantém o hífen porque é mais -usual”. Que base existe para este raciocínio, quem fez as contas mediu quantidades e valores? O cor-de-rosa é mais usual porquê? Será que existe em maior quantidade na gaveta das cuecas, no guarda-factos, espera, aqui é fatos, daqueles que formularam o acordo? Exemplo dos hifeníticos poderes de um sinistro “lóbi cor-de-rosa”?

Experimentei a Interner: cor-de-rosa também pode ser cor de rosa, escreve como te apetecer, pá, é a interessante variedade da língua portuguesa. Já cor-de-laranja está mesmo errado, não é um caso de racismo no arco-íris, trata-se decerto de uma coisa menos “usual”. Pego no livro do mestre Rómulo de Carvalho, “A Física no Dia-a-Dia” (ed. Relógio D’Água) e descubro leis universais da luz e dos prismas, explicados ao povo na base da amizade… “suponho que o meu amigo já viu o arco-íris, o chamado arco-da-velha”. “Às vezes o arco-íris é pouco visível, muito pálido, e há dificuldade em distinguir as cores mas, quando é intenso, notam-se bem nele sete cores. A que fica do lado de fora do arco é o vermelho e agora, olhando para o lado de dentro, é possível distinguir uma cor alaranjada que fica entre o vermelho e o amarelo, depois um verde, depois um azul que pouco a pouco se muda em roxo. A cor que fica entre essas duas, que não é azul nem roxo, costuma-se chamar anil (e também há quem lhe chame ‘índigo’). As sete cores do arco-íris são pois, pela sua ordem: vermelho, laranja, amarelo, verde, azul, anil e roxo (ou violeta).”

O cor-de-rosa não é uma das cores de base da luz mas é mais “usual” do que o cor-de-laranja. Isto é ciência fonética e gramatical. Não vale a pena melhorar porque já está bom e acabou-se a conversa, ó conservadores passadistas bolorentos da língua. O poeta António Gedeão podia dizer, contra o cientista Rómulo de Carvalho, pela mesma boca, que o Acordo Ortográfico pula e avança e salta para onde lhe apetece e se calhar para onde estiver virado, como bola colorida entre as mãos de uma criança.

Espera aí… mas cor de laranja já não tinha hífen antes do acordo! Malditos.

Rui Cardoso Martins
Pública

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terça-feira, 28 de agosto de 2012

A FAMA VAI LONGE...

































Do

Minho

a

Timor.

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PORTUGAL, TÃO DIFERENTE DE SER PRIMEIRO


Os reinos e os impérios poderosos,
Que em grandeza no mundo mais cresceram,
Ou por valor de esforço floresceram,
Ou por varões nas letras espantosos.

Teve Grécia Temístocles; famosos,
Os Cipiões a Roma engrandeceram;
Doze Pares a França glória deram;
Cides a Espanha, e Laras belicosos.

Ao nosso Portugal, que agora vemos
Tão diferente de seu ser primeiro,
Os vossos deram honra e liberdade.

E em vós, grão sucessor e novo herdeiro
Do Braganção estado, há mil extremos
Iguais ao sangue e mores que a idade.

Luís Vaz de Camões
Sonetos

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quinta-feira, 16 de agosto de 2012

PORTUGUESES...













Os portugueses não formam uma sociedade porque não são sócios uns dos outros. Tomemos os exemplos mais corriqueiros. Na cidade velha, vai-se pela rua e pode-se apanhar com sacos de migas de pão ralado, atirados aos pombos, na cabeça. E a rua está cheia de cagadelas de cão, coisa que não se vê em mais cidade nenhuma, porque cada um entende que o espaço público se pode sujar à vontade. Lisboa é habitada por uma horda que usa fato e gravata e anda de automóvel, mas que não chegou sequer ao patamar mínimo de civilização urbana. Começa-se sempre de cima para baixo. A Lisboa 94, com a sua falta de ideia, fez várias coisas em cima sem haver nada em baixo, confundiu arte com cultura. A cultura começa nas ruas onde se pode andar, no ambiente cuidado, nos jardins tratados, que não existem.
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Há um total desprezo do próximo, uma falta de noção dos direitos e deveres urbanos civilizacionais. Soube agora de um caso que se passa num prédio normal do centro da cidade. Há alguém que guarda a moto do filho de família no patamar entre o terceiro e o quarto andares e, quando lhe vão dizer que não o pode fazer, essa gente que é licenciada fecha a porta, dizendo: «A moto é minha, eu faço o que eu quero!» Tal e qual como o sapateiro que bate no filho e diz: «O filho é meu, eu faço o que quero!». É a sociedade do «salve-se quem puder». A maior parte das discussões que se geram em bichas, em lugares públicos onde se reclama um direito, resulta da falta de noção muito exacta que qualquer alemão, francês ou italiano tem dos seus direitos e deveres. Aqui é tudo uma «questão particular». Passa a não ser uma sociedade organizada mas um clã. É simpático, de repente, encontrarmos uma grande humanidade e intimidade onde menos esperávamos. Sabe bem mas o preço é caro, implica um dia-a-dia desgastante, onde tudo funciona improvisada e desastradamente. Nem se pode andar pelas ruas porque os carros ocupam os passeios. São insignificâncias que vão criando e alimentando quotidianamente um mal-estar, um cansaço, uma perda de energia. Quando ando pela Baixa duas ou três horas, começo a sentir um esgotamento de tipo espiritual, ao contrário do que acontece em qualquer cidade europeia em que fico mais alerta, enérgico e cheio de ideias. Aqui, começo a arrastar os pés e a andar em passo de procissão, que é como fazem os portugueses, um pouco vergados, dai a metáfora de trazer um peso nas costas. Há, de facto, um peso qualquer que está lá dentro, nas costas do espírito. Este país é como uma eterna pequena constipação.
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E esta fatídica vocação para as pantufas… Conta-se que, depois do terramoto, alguns aristocratas que ficaram sem palácio instalaram-se em barracões onde é hoje o Rato, com grande promiscuidade e as couvinhas lá atrás. Quando os palácios ficaram prontos, não queriam sair, pois era ali que lhes sabia bem. Isto define a mentalidade portuguesa.
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A arte em Portugal não tem a ter com a vida. O museu e o espectáculo são coisas que se passam em lugares fechados, com horário e um culto feito em grande parte de snobismo e de obrigação social. Daí o grande desconforto dos artistas em Portugal, uma espécie de marcianos, porque aquilo que fazem não tem nada a ver com os interesses da sociedade. Em Itália. o cidadão mais humilde tem uma intuição, um conhecimento e uma veneração pela arte que aqui terá talvez o equivalente na veneração pela Nossa Senhora de Fátima. Até coincide porque é a veneração por um desconhecido, pelo que está para além da razão. Se não houvesse motivos exteriores, não creio que fizesse falta a quem quer que fosse ir a exposições de pintura, ao teatro ou à ópera.
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Há um egoísmo perfeitamente catastrófico que caracteriza os portugueses. No seu dia-a-dia, desde que tenha resolvido o seu problemazinho e possa comer o seu bifinho com batatas fritas ou o seu bacalhauzinho, já tira dai um prazerzinho que o deixa satisfeito. O Eça usou todos esses diminutivos com razão, porque tudo é pequeno, da dimensão ao espírito. Satisfazem-se com pouco.
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Outra característica dos portugueses é ter medo do risco, podem cair no ridículo, que fica muito mal. Ora para fazer grandes coisas, é preciso arriscar cair do trapézio. Mas os portugueses preferem trabalhar com rede ou então a um metro do chão. Os Descobrimentos foram uma necessidade porque essa gente que vinha do Norte do Pais, a cair de fome e a morrer pelo caminho, não tinha outra hipótese. E não esqueçamos os mercenários. Os relatos deixam-nos imaginar o tormento daquelas viagens, com doenças e sem comida, em condições de puro desespero. Depois, lá veio a mitificação histórica. Obviamente haveria alguns, poucos, a começar pelo infante D. Henrique, que teriam o seu projecto de alargar a Terra, de chegar a qualquer lado e de tirar lucro, que é o que faz correr o homem. O Camões diz textualmente, n’Os Lusíadas, que «nunca houve nação, nem bárbara, que prezasse tão pouco as artes como a portuguesa». E o padre António Vieira dizia, naquelas etimologias divertidas, que o mundo é mundo porque, por antífrase, é imundo tal como a Lusitânia se chama assim já que não deixa luzir ninguém por causa da inveja. E podíamos continuar com o Eça, com o António Nobre, com os que reflectiram porque tiveram oportunidade de comparar… (…).
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Vivi na Alemanha muitos anos e pude constatar que o mito do amor ao trabalho dos Alemães é falso. Não gostam de trabalhar, mas sabem que e preciso. Por isso, fazem-no o mais eficientemente possível. Durante o trabalho, os alemães não conversam sobre futebol nem as alemãs falam de meninos, como aqui. E fora dele é tabu falar sobre isso. Ao contrário de Portugal, onde se passa o almoço a falar do trabalho, uma paranóia perfeita.
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Enquanto a Europa é urbana e civilizada há muito tempo, em Portugal o crescimento faz-se por saltos muito grandes. Temos a ideia de que o progresso é deitar fora o que há e substituir pelo novo, o que mostra que não o conseguimos integrar. Em cada época, há elementos que definem o novo-riquismo. No século XVI, o embaixador do Papa escrevia para Roma a dizer que não entendia porque é que o barbeiro, um homem muito pobre, tinha um pretinho para lhe carregar a bacia quando ia fazer a barba a casa do cliente. Na Segunda Guerra, houve o boom dos novos-ricos do volfrâmio e dizia-se que eles comiam a sardinha assada com pão-de-ló. Hoje continua e, apesar do novo-riquismo destes anos em que já somos europeus, basta por o pé para lá da fronteira para perceber que somos cada vez menos em termos culturais. Temos o mito das melhores praias, dos melhores vinhos, mas quanto tempo vão durar? Há terrenos próximos de Lisboa, na zona do Ribatejo, que estavam classificados para agricultura exclusivamente. Há três ou quatro anos saiu um decreto que permite utilizá-los para campos de golfe desde que sejam reconvertíveis. Daqui a 15 anos, comeremos bolas de golfe em vez de couves…
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Os Ingleses, mesmo lá no extremo do Sahara, continuam a manter a nacionalidade e a beber o chá das cinco porque têm uma personalidade forte. Mas um português na Alemanha, ao fim de cinco anos é alemão, e no Japão torna-se um autêntico japonês. Tem uma capacidade espantosa de adaptação, uma qualidade que lhe facilita a vida, mas que é sinal de uma personalidade fraca. O nosso racismo é económico. Tratamos com servilismo os que têm mais dinheiro que nós, embora haja quem diga que isso é a cordialidade do português a acolher os estrangeiros.
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Tal como há quem diga que a língua portuguesa é o espanhol sem ossos. Compare-se o «quero-te» com o «te quiero»: enquanto num a entoação morre no fim, no outro a afirmação é evidente logo no som. É como se nem na língua tivéssemos coluna vertebral.
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Portugal ficou a meio caminho entre o Norte de Africa e a Europa. E não se consegue definir. É pobre combinar as coisas sem definir uma ideia e uma identidade próprias. Não há, em Portugal, politica no sentido autêntico da palavra, uma ideia de sociedade para dar forma ao Estado. Não há partido que a tenha, excepto, talvez, o comunista, mas não é uma ideia própria. Os políticos portugueses, tal como os artistas, são preguiçosos, pouco competentes e bastante diletantes”.

Alberto Pimenta
Diário de Notícias, 29 de Janeiro de 1995

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