sábado, 31 de dezembro de 2011

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ÁLCOOL

Guilhotinas, pelouros e castelos
Resvalam longamente em procissão;
Volteiam-me crepúsculos amarelos,
Mordidos, doentios de roxidão.

Batem asas d'auréola aos meus ouvidos,
Grifam-me sons de côr e de perfumes,
Ferem-me os olhos turbilhões de gumes,
Desce-me a alma, sangram-me os sentidos.

Respiro-me no ar que ao longe vem,
Da luz que me ilumina participo;
Quero reunir-me, e todo me dissipo -
Luto, estrebucho... Em vão! Silvo pra além...

Corro em volta de mim sem me encontrar...
Tudo oscila e se abate como espuma...
Um disco de ouro surge a voltear...
Fecho os meus olhos com pavor da bruma...

Que droga foi a que me inoculei?
Ópio d'inferno em vez de paraíso?...
Que sortilégio a mim próprio lancei?
Como é que em dor genial eu me eterizo?

Nem ópio nem morfina. O que me ardeu,
Foi álcool mais raro e penetrante:
É só de mim que eu ando delirante -
Manhã tão forte que me anoiteceu.

Mário de Sá-Carneiro
Dispersão

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terça-feira, 27 de dezembro de 2011

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PATRIOTA? NÃO: SÓ PORTUGUÊS

Patriota? Não: só português.
Nasci português como nasci louro e de olhos azuis.
Se nasci para falar, tenho que falar-me.

Alberto Caeiro
Fragmentos

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sábado, 24 de dezembro de 2011

NO TEMPO QUE O GOVERNO TAMBÉM MANDAVA EMIGRAR

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A GUERRA

E tropeçavam todos nalgum vulto,
quantos iam, febris, para morrer:
era o passado, o seu passado — um vulto
de esfinge ou de mulher.

Caíam como heróis os que não o eram,
pesados de infortúnio e solidão.
(Arma secreta em cada coração:
a tortura de tudo o que perderam.)

Inimigos não tinham a não ser
aquela nostalgia que era deles.
Mas lutavam!, sonâmbulos, imbeles,
só na esp'rança de ver, de ver e ter
de novo aquele vulto
— imponderável e oculto —
de esfinge, ou de mulher.

David Mourão-Ferreira
Tempestade de Verão

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quarta-feira, 21 de dezembro de 2011


























Temos sido liderados por trafulhas, vigaristas, ladrões, oportunistas, incompetentes, vadios, mandriões e ignorantes. E, apenas porque de tal sabemos, não nos admiramos que estas estirpes recorrentemente, aconselhem e motivem os portugueses a abandonarem o seu próprio país.

Incentiva-se os que ainda podem trabalhar ou, tenham algumas competências, a emigrar.

O que nos perguntamos, é como pensam estas bestas recuperar a economia de um país falido, sem cérebros nem braços para tal.

Creio que o laxismo de deixarmos o nosso futuro entregue a estes medíocres, bateu no fundo.

Está na hora de exigir responsabilidades e castigar severamente estes bandalhos.

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QUERIA QUE OS PORTUGUESES

Queria que os portugueses
tivessem senso de humor
e não vissem como génio
todo aquele que é doutor

sobretudo se é o próprio
que se afirma como tal
só porque sabendo ler
o que lê entende mal

todos os que são formados
deviam ter que fazer
exame de analfabeto
para provar que sem ler

teriam sido capazes
de constituir cultura
por tudo que a vida ensina
e mais do que livro dura

e tem certeza de sol
mesmo que a noite se instale
visto que ser-se o que se é
muito mais que saber vale

até para aproveitar-se
das dúvidas da razão
que a si própria se devia
olhar pura opinião

que hoje é uma manhã outra
e talvez depois terceira
sendo que o mundo sucede
sempre de nova maneira

alfabetizar cuidado
não me ponham tudo em culto
dos que não citar francês
consideram puro insulto

se a nação analfabeta
derrubou filosofia
e no jeito aristotélico
o que certo parecia

deixem-na ser o que seja
em todo o tempo futuro
talvez encontre sozinha
o mais além que procuro.


Agostinho da Silva
Poemas

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sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

MANDATO SOCIAL


Somos tão poucos mas vale a pena construir cidades.
Denunciar a tinta
gasta em discursos.
Os mitos criam-se de baixo para cima.
As plantas enraízam
e só depois recortam o céu
ou são colhidas para efeitos vários.
O boletim metereológico diz que vai chover,
mas nunca se sabe se vem um ciclone,
e então salve-nos Deus
se não soubermos prever
os alicerces,
o boato dito pelo telefone,
o sonho, esse mesmo, em que se morre
de estupidez, o coração a bater
como de cavalo que ganhou a corrida
e é levado pelo dono
ao parque do hipódromo.
Basta de balancé
entre o que é, o que virá, o que não é.
Basta de poetas com as mãos cruzadas
e de operários a cair de sono.
Basta de velhotes impotentes
a fornicar sabedoria antiga.
O mandato social é desobriga
como na Páscoa a comunhão dos homens.
Somos poucos mas vale a pena construir cidades
e morrer de pé.

Ruy Cinatti
Archeologia ad Usum Animae

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quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

NAU CATRINETA

Lá vem a Nau Catrineta
Que tem muito que contar!
Ouvide agora, senhores,
Uma história de pasmar.

Passava mais de ano e dia
Que iam na volta do mar,
Já não tinham que comer,
Já não tinham que manjar.

Deitaram sola de molho
Para o outro dia jantar;
Mas a sola era tão rija,
Que a não puderam tragar.

Deitaram sortes à ventura
Qual se havia de matar;
Logo foi cair a sorte
No capitão general.

- "Sobe, sobe, marujinho,
Àquele mastro real,
Vê se vês terras de Espanha,
As praias de Portugal!"

- "Não vejo terras de Espanha,
Nem praias de Portugal;
Vejo sete espadas nuas
Que estão para te matar."

- "Acima, acima, gageiro,
Acima ao tope real!
Olha se enxergas Espanha,
Areias de Portugal!"

- "Alvíssaras, capitão,
Meu capitão general!
Já vejo terras de Espanha,
Areias de Portugal!"
Mais enxergo três meninas,
Debaixo de um laranjal:
Uma sentada a coser,
Outra na roca a fiar,
A mais formosa de todas
Está no meio a chorar."

- "Todas três são minhas filhas,
Oh! quem mas dera abraçar!
A mais formosa de todas
Contigo a hei-se casar."

- "A vossa filha não quero,
Que vos custou a criar."

- "Dar-te-ei tanto dinheiro
Que o não possas contar."

- "Não quero o vosso dinheiro
Pois vos custou a ganhar."

- "Dou-te o meu cavalo branco,
Que nunca houve outro igual."

- "Guardai o vosso cavalo,
Que vos custou a ensinar."

- "Dar-te-ei a Nau Catrineta,
Para nela navegar."

- "Não quero a Nau Catrineta,
Que a não sei governar."

- "Que queres tu, meu gageiro,
Que alvíssaras te hei-de dar?"

- "Capitão, quero a tua alma,
Para comigo a levar!"

- "Renego de ti, demónio,
Que me estavas a tentar!
A minha alma é só de Deus;
O corpo dou eu ao mar."

Tomou-o um anjo nos braços,
Não no deixou afogar.
Deu um estouro o demónio,
Acalmaram vento e mar;

E à noite a Nau Catrineta
Estava em terra a varar.

Almeida Garrett
Romanceiro

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quinta-feira, 1 de dezembro de 2011



Este parte, aquele parte
e todos, todos se vão
Galiza ficas sem homens
que possam cortar teu pão

Tens em troca
órfãos e órfãs
tens campos de solidão
tens mães que não têm filhos
filhos que não têm pai

Coração
que tens e sofre
longas ausências mortais
viúvas de vivos mortos
que ninguém consolará

Rosalina de Castro

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