terça-feira, 28 de junho de 2011

AINDA...


Ainda se lembram de um tal sócrates?
Saiu de fininho como se nada fora, sem que lhe fossem pedidas contas por seis anos de descalabro, que levaram o país à ruína.

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ELOGIO BARROCO DA BICICLETA

Redescubro, contigo, o pedalar eufórico
pelo caminho que a seu tempo se desdobra,
reolhando os beirais - eu que era um teórico
do ar livre - e revendo o passarame à obra.

Avivento, contigo, o coração, já lânguido
das quatro soníferas redondas almofadas
sobre as quais me estangui e bocejei, num trânsito
de corpos em corrida, mas de almas paradas.

Ó ágil e frágil bicicleta andarilha,
ó tubular engonço, ó vaca e andorinha,
ó menina travessa da escola fugida,
ó possuída brincadeira, ó querida filha,

dá-me as asas - trrrim! trrrim! - pra que eu possa traçar
no quotidiano asfalto um oito exemplar!

Alexandre O'Neill
A Saca de Orelhas

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segunda-feira, 20 de junho de 2011

NESTA HORA

Nesta hora limpa da verdade é preciso dizer a verdade toda
Mesmo aquela que é impopular neste dia em que se invoca o povo

Pois é preciso que o povo regresse do seu longo exílio
E lhe seja proposta uma verdade inteira e não meia verdade

Meia verdade é como habitar meio quarto
Ganhar meio salário
Como só ter direito
A metade da vida

O demagogo diz da verdade a metade
E o resto joga com habilidade
Porque pensa que o povo só pensa metade
Porque pensa que o povo não percebe nem sabe

A verdade não é uma especialidade
Para especializados clérigos letrados

Não basta gritar povo é preciso expor
Partir do olhar da mão e da razão
Partir da limpidez do elementar

Como quem parte do sol do mar do ar
Como quem parte da terra onde os homens estão

Para construir o canto do terrestre
- Sob o ausente olhar silente de atenção –

Para construir a festa do terrestre
Na nudez de alegria que nos veste

Sophia de Mello Breyner Andresen
Obra poética III

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sábado, 18 de junho de 2011



José Régio
Poemas de Deus e do Diabo

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quinta-feira, 16 de junho de 2011

O HOMEM QUE PERDEU A FALA

Começou a sentir-se aflito e disse a um amigo:
— Não sei falar.
O amigo respondeu-lhe:
— Estás a falar.
— Isso é o que tu julgas!... Se eu quiser dizer hoje, digo amanhã.
— Estás a dizer hoje!
— E se eu não souber?
Engasgou-se e titubeou, encarnado:
— Sábado... Quinta-feira...Cães... Galinhas!
O amigo riu-se.
— Estás a gozar? Diz lá as coisas como devem ser...
— Palácios...
O amigo condescendeu:
— O.K. Palácios!...
E virou-lhe as costas.
A verdade é que ele deixara de saber falar. As palavras saíam-lhe desgarradas. E foi nesse momento que começou o problema porque gostava de falar com as pessoas. Tentava, mas não podia: já não tinha língua. Esforçava-se e não conseguia.
Foi a um médico que lhe disse:
— O senhor perdeu o uso das cordas vocais.
E repôs os aparelhos no sítio.
— E agora? — acenou.
— Posso operá-lo. Mas não garanto.
— O quê? — acenou ele outra vez.
— Que fale. O senhor perdeu a fala.
Levantou-se da cadeira e agarrou num papel, desenhou um caranguejo.
— Talvez — disse o médico —, uma doença grave.
Fugiu: não queria ser operado.
A vida voltou e custou-lhe muito. Ouvia os outros e não respondia. Eles procuravam-no e ele não era capaz. Tocava-lhes, dançava para que gostassem, mas não conseguia falar. E os outros acabavam por se ir embora. Via os corpos, a afastarem-se, queria-os, mas, sem língua, não chegava ao pé deles, não os prendia, não os abria. Corpos esplêndidos; corpos, pensava, que estavam à espera de quem soubesse oferecer-se-lhes, de quem lhes desse o que queriam. Pensava também que os compreendia melhor do que ninguém. Mas, faltava-lhe a voz.
Um dia meteu uma pedra na boca. Chegou à noite desfeito e na mesma.
"A culpa é minha? O que é que aconteceu? Que mal fiz eu a Deus? Isto não tem remédio?" E veio-lhe vontade de chorar.
Gostava das pessoas. Eram bonitas. Ai!, se não lhe tivessem roubado a voz! Porque ele, dantes, falava! Era um homem interessante! Agora, nem pio. Caretas, gestos. Uma dor, do lado esquerdo. E a troça e a indiferença dos outros. Ou as duas.
— Fala! — gritou-lhe um amigo.
— Não sei... — respondeu-lhe, mudo.
E continuou a passar gente.
— Anda! — disse-lhe uma.
E insistiu:
— Anda!
Não foi... Ficou parado no meio da rua.
— Olha o carro!
Já era tarde.


Manuel Poppe Lopes Cardoso
Um Inverno em Marraquexe

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segunda-feira, 13 de junho de 2011

JOSÉ FERNANDO MATA CÁCERES PEDE A DEMISSÃO DE PRESIDENTE DO MUNICÍPIO DE PORTALEGRE


O presidente do município de Portalegre, José Fernando Mata Cáceres, eleito nas listas do PSD, anunciou hoje, durante a reunião ordinária do executivo municipal, que vai cessar funções, por razões de natureza pessoal.

Fonte do gabinete de comunicação do município disse à Agência Lusa que a decisão de José Fernando Mata Cáceres, eleito pelo PSD como independente e a cumprir o terceiro mandato, esta foi uma decisão muito ponderada e pensada de forma a não prejudicar a cidade e a garantir o bom funcionamento da autarquia

O executivo da Câmara Municipal de Portalegre é composto por três eleitos do PSD, outros três do PS e um da CDU. De acordo com a mesma fonte, José Fernando Mata Cáceres vai, agora, gozar um período de férias, aproveitando este tempo para executar a transição de dossiers para o novo executivo.

A presidência da Câmara Municipal de Portalegre passa para as mãos da vice-presidente do município, Adelaide Teixeira (PSD), entrando também para o executivo municipal Nuno Santana (PSD) que ocupou nas últimas eleições autárquicas o quarto lugar nas listas dos social-democratas.

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QUANDO A FORTUNA ENCETOU COM DESGRAÇAS

Quando a Fortuna, de inconstante aviso,
Encetou com desgraças
O varão que não veio humilde, abjecto
Adorar o seu Nume,
Na refalsada Corte, ou ante os cofres
Chapeados de Pluto;
Levando avante, o seu empenho, e acinte,
Maléfica lhe emborca
Sobre a cabeça a mágoas devotada,
Toda a Urna infelice,
Que Jove encheu colérico co'as penas
De atormentado inferno.
Dos ombros do Varão constante e justo
Resvalam debruçadas
Perdas de bens, desonras mal sofridas
A lhe aferrar o peito
Co'as garras afaimadas da pobreza;
Logo os tristes Pesares
Em torno ao coração serpeiam, mordem,
Trajando a rojo lutos.
Vem a má nova, de agouradas falas,
Que se compõe sequela
De tibiezas, senões, desconfianças,
Desamparo de amigos.
A Doença, com mão finada abrange
Os fatigados membros
E no âmago do peito as amargaras
Vão assentar morada.
Com índice maligno a Providência
Lhe aponta no futuro,
Em nebuloso quadro hórridas formas
De sinistros sucessos.
Quem não quisera, com melhor semblante
Despedir-se do dia,
E fraudar, com as sombras do jazigo,
Do Fado os ameaços?
Qual é a alma tão forte, que resista
Aos prantos duma Amante
Ingénua, comedida, afável, terna,
Que, nos braços da Angústia,
Implora com os olhos arrasados
De lágrimas mimosas,
Arredado socorro, e este lh'o embarga
Às desprezadas portas
O agudo rosto da Miséria esquiva!
Amigos insensíveis
Vede, que é obra vossa este rascunho
Das penas de Filinto:
Obra vossa, que o dais ao desamparo
Com culpado descuido.

Filinto Elísio
Odes

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sexta-feira, 10 de junho de 2011

CAMÕES



Passaste fome,
Dizem alguns que de tua vida comem
Vermes parasitas que vivem de inventar as tuas histórias...
Talvez um dia neles a mutação se opere
Quando os bichos mudem de alimentação e
Passem a roer a tua obra
E não a tua morta vida terreal.

Ah Camões! Luís Vaz, se visses
Como os vermes pastam tua glória!
Por um que ame apenas tua obra
Quantos te inventam a vida passada
P'ra explicar versos que não sentem
Ou sentem tão à epiderme
Que precisam de outra história
Que não a das palavras que escreveste!

Também eu li demais a tua inventada vida:
Tudo quero esquecer p'ra mais lembrar
Que poesia é só a tua glória
Eterna vida é só tua Poesia
E a vida que viveste é morta história.


José Blanc de Portugal
Descompasso

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VALSINHA DAS MEDALHAS


Já chegou o dez de Junho, o dia da minha raça
Tocam cornetas na rua, brilham medalhas na praça
Rolam já as merendas, na toalha da parada
Para depois das comendas, e Ordens de Torre e Espada
Na tribuna do galarim, entre veludo e cetim
Toca a banda da marinha, e o povo canta a valsinha

Encosta o teu peito ao meu, sente a comoção e chora
Ergue o olhar para o céu, que a gente não se vai embora
Quem és tu donde vens, conta-nos lá os teus feitos
Que eu nunca vi pátria assim, pequena e com tantos peitos

Já chegou o dez de Junho, há cerimónia na praça
Há colchas nos varandins, é a Guarda d'Honra que passa
Desfilam entre grinaldas, velhos heróis d'alfinete
Trazem debaixo das fraldas, mais Índias de gabinete
Na tribuna do galarim, entre veludo e cetim
Toca a banda da marinha, e o povo canta a valsinha



Carlos Tê
Valsinha Das Medalhas

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quarta-feira, 8 de junho de 2011

SE ACONTECER O MESMO, POR CÁ?

O povo que somos e a democracia que temos, também se avaliam por estas coisas.
Por cá, ninguém será responsabilizado por coisa alguma.
O presente e essencialmente o futuro de todos nós, nas mãos de uns quantos vigaristas

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Existe, com efeito, uma confusão antiga, amiúde fruto da ignorância, ou talvez de um pensamento equívoco ou malévolo, entre a deportação de inimigos do nazismo – alemães anti-hitlerianos, resistentes europeus – e o extermínio de judeus e ciganos. Os primeiros foram detidos e deportados pelos seus actos, quaisquer que fossem as suas origens sociais ou a sua religião. Os segundos são exterminados por serem o que são, mesmo que nunca tenham cometido um acto ou um mero gesto de oposição ao regime. A diferença, mesmo que o número de mortos resistentes fosse comparável ao dos judeus exterminados – e não o é, de forma alguma –, não é uma diferença quantitativa: é ontológica.

Jorge Semprún
10 de Dezembro de 1923 - 7 de Junho de 2011

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terça-feira, 7 de junho de 2011

OS INDÍGENAS VÃO COMER O PÃO QUE O DIABO AMASSOU

A corroborar o Silva, vi na televisão uns quantos burros indignados com o nível da abstenção.
Não entenderam nada.
Gente com largas dezenas de anos de vida,e ainda ignorante como no dia em que veio ao mundo.
Não percebeu que o que aí vem, será muitíssimo pior do que tivemos até aqui, coisa que a direita legitimada para governar, faz questão de anunciar.
Esta burricada que legitimou uma vez mais estes mesmos manhosos de sempre, não percebeu que o que está em causa no apelo ao voto, com ameaça pelo meio, feito pelo Silva e todos os chefes de fila partidários, é uma questão preventiva contra um eventual levantamento popular, algo previsível numa situação que se tornará dramática para a generalidade dos indígenas, aliás, algo que poderia estar a tomar forma no acampamento.
Como aqui se foi repetindo desde a tomada de posse do inqualificável José Sócrates, este haveria de deixar o país mais pobre, mais analfabruto e mais atrasado do que já estava.
Foi-se embora deixando-o falido e penhorado, com a conivência de todas as quadrilhas partidárias e clientelismos vários.
Como os credores estão a exigir o seu dinheiro, as medidas a ser tomadas, vão ser draconianas.
Os indígenas vão comer o pão que o diabo amassou.
Nada mais natural do que antecipar o seu descontentamento, logo, quantos mais expressarem pelo voto o seu acordo aos candidatos, menos autoridade moral terão para protestar quando lhe começarem a alargar o
esfíncter, até porque desta vez, vai ser mesmo até ao fundo.

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AOS VENCEDORES

Visto que tudo passa e as épicas memorias
Dos fortes, dos heroes, se vão cada vez mais,
Que tudo é luto e pó! ó vós que triumphaes
Não turbeis a razão nos vinhos das vãas glorias!

Não ergais alto a taça, á hora dos gemidos,
Esquecidos talvez nos gosos, nos regallos;
E não façaes jámais pastar vossos cavallos
Na herva que cobrir os ossos dos vencidos!

Não celebreis jámais as festas dos noivados,
Não encontreis na volta os lugubres cortejos!
- E se amardes, olhae que ao som dos vossos beijos
Não respondam da praça os ais dos fusilados!

Sim! - se venceste em fim, folgae todas as horas,
Mas deixae lastimar-se os orphãos, as amantes,
Nem façaes, junto a nós, altivos, triumphantes,
Pelas ruas demais tinir vossas esporas!

Pois toda a gloria é pó! toda a fortuna vã! -
- E nós lassos em fim dos prantos dolorosos,
Regámos já demais a terra--ó gloriosos
Vencedores! talvez, - vencidos d'amanhã!

António Gomes Leal
Claridades do Sul

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domingo, 5 de junho de 2011

ELEIÇÕES LEGISLATIVAS DISTRITO DE PORTALEGRE

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ELEIÇÕES LEGISLATIVAS RESULTADO DO CONCELHO DE PORTALEGRE

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UTOPIAS RESPIRÁVEIS


Uma respiração até ao fundo:
oxigenada a memória

Tudo é possível a partir de então,
aí se cuidam: imaginação,
sorumbático livro de pensar
(inspirar fundamente e livres
as amarras do dever)

Vagabundam-se as horas, momentos
de saber tornam-se espaços que
não sendo espaços, são-no de pressentir
em nova geometria:

Linhas desalinhadas, novas linhas
conjugadas num jeito tão desfeito
que chega a ser perfeito esse quadrado

sem cruz, que na cabala dos mortais
é o sinal fechado da ausência de luz

Então se vêem girassóis nocturnos,
então se vêem diurnas cavernas
com teseus aos milhares despedaçados.

E sábios minotauros inspirados
por fios opacos mas fosforescentes
saem à praça do saber das gentes
sem livros, sem riquezas, sem sapatos.


Ana Luísa Amaral
Minha Senhora de Quê

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sexta-feira, 3 de junho de 2011

O MEU VOTO, ...

Não votar, ou votar em branco, é desistir do país. Está enganado o senhor. Não se pode desistir do país em que nascemos e vivemos.

Até porque, sendo legalmente idênticas, a abstenção, o voto nulo e o voto em branco, têm leituras políticas e significados diferentes.

A abstenção tem pouco ou nenhum significado. aceita-se que o eleitor possa estar vagamente descontente com o sistema, que morreu, foi à pesca ou, não lhe apeteceu ir votar. Constata-se que o absentismo vai aumentando mas, disso não se retira qualquer consequência, a não ser a de que todos reclamam vitória em cada abstenção. É menos um voto nos adversários políticos, e menos um a chatear.

Os votos brancos e nulos têm uma leitura diferente. Significam que o eleitor não se revê, não legitima os candidatos nem as suas políticas. Não desistiu do país, não deixou de cumprir a sua obrigação cívica, nem foi à pesca. Disse expressa e claramente através do seu voto branco ou nulo, que não quer ser governado por aqueles candidatos.

A lei não prevê a remoção destes intrujões. São eleitos pela maioria de votos válidos. nem que seja apenas um. votos nulos e brancos não contam para estas contas. Votando ou não, elegemos sempre os candidatos. Mas, é a única forma legal de mostrarmos o nosso protesto.

Estas lapas, agarradas e confortadas no poder, por si, jamais reformarão o sistema que lhes permite acesso ao poder e ao dinheiro. Continuarão a oferecer enxadas para o povo poder trabalhar. É preciso dizer não, a esta gente.

Não podemos desistir do país. Podemos sim, desistir destes vigaristas que o saquearam até à exaustão. Que gastaram o pecúlio salazarista, distribuíram entre si e amigos os milhões vindos a fundo perdido, mais o que pediram emprestado.
Votar nesta corja, é legitimar a continuidade das suas trapalhadas, dos negócios entre amigos, do tráfego de influências, do emprego farto para os boys e desemprego para os outros,
da corrupção, do amiguismo e clientelas.
O meu voto, é branco.
Recuso-me a desistir do meu país, assim como me recuso a entregá-lo à rapina e voracidade destes bandos de irresponsáveis criminosos.

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AUTOCRÍTICA

Ninguém ma pediu e já não está na moda,
pelo menos aquela pressurosa contrição
feita com cálculo e unção, aquela hipócrita
autoflagelação despudorada,
mas já é tempo (para mim) de deitar contas
ao verso e ao seu reverso, de mostrar a língua
a esse médico de quem tenho um pouco,
para ver como vai o foro íntimo
e, por consequência, o verso público.

*
«Nado e criado em Lisboa...» era um começo
não autocrítico, mas autobiográfico.
Sei muito bem que a biografia
explica muita coisa (até a azia!)
mas para quê esquadrinhar os anos
(joguei berlinde, joguei pião e juro aqui
que nunca o fiz para os americanos!)
à cata da raiz, se o que vivi,
para o mal ou para o bem, está aqui?

«Nado e criado em Lisboa...»: rejeitado por
excessivamente circunloquial.

(Comecemos sem mais delongas, prima,
ó volta e meia prima pobre, rima,
que a questão é simples: a poesia
dum tal…)

*
Dizem que me junqueiro, que me tolentino
o até que me paulino,
que tenho tudo e todos no ouvido
e não sou nada original.

Sim senhores, tem visos de verdade!

Serei eu, meu Deus, um ser reminiscente,
um desses semblantes ante os quais manda a prudência
que se pergunte ao botão antes de mais:
— Onde é que eu já vi este tratante?

*
Se pensar bem, o Junqueiro não me diz lá grande coisa.
O seu anticlericalismo fica-se pela batina;
o seu verso é tribunício e eu gosto da surdina
(ou do simulacro de estentor quando ele ajuda à crítica).
O 5 de Outubro já veio e já se foi,
mas não é a lata-de-trovões junqueiriana
que estamos a pedir na circunstância épica
que se aprò... que se aprò... que se aproxima.

Liguei sempre ao Junqueiro (sei porquê)
a conversa de advogado e a conversa de barbeiro.

Um tio advogado recitou-mo quando eu tinha treze anos
e não era mudo e só na rocha de granito;
um barbeiro anarquista, que me fazia a barba
com a estropiada mão bombista,
impingia-me «A Lágrima», mas só ele é que se comovia
com aquela aguadilha que tremia
e ainda hoje deve tremer, tremeluzir
em certas almas litográficas, singelas.

Depois vi o Sérgio desmontar
as peças duma máquina que nem sequer havia
e perdi o Junqueiro de vista.

Será que eu me junqueiro? Pode ser,
já que tenho comido, sem saber,
de muita alpista...

Quanto a esse Tolentino, esse faceto,
devo dizer que nada lhe roubei
mas que podia ser seu neto.

Como neto podia muito bem
ser de Paulino, desse abade
que com certeza me arranjaria mãe.

(Continua o desfile, ó prima, já que a prosa
vai bonita a pretexto de autocrítica...)


*
Cesário diz-me muito: gostava de ferramentas, como eu,
e vê-se que para ele o ser feliz
era lançar, originais e exactos, os seus alexandrinos,
empunhar ferramental honesto
cuja eficácia ele sabia que
não vinha da beleza, mas da perfeita
adequação.
Não tem halo, tem elo e o seu encadeado
é o verso habilmente proseado.

(Que feliz eu seria, ó prima, se o Cesário
me tivesse deixado uma garlopa!)

António Nobre, embora seja muito em inho,
é o grande Só que somos nós,
por isso gosto dele (ai de mim, coitadinho!)

(E em conclusão do megalómano discurso.
ó prima, um bilhete-postal para o Pessoa.
a quem devemos todos tanto, a prima inclusive!)

Muito querido Pessoa, saberias agora
que não basta ser lúcido, merda, que não basta
a gente coser-se com as paredes
e cercar de grandes muros quem se sonha,
que não basta dizer basta de provincianos!

*
Bem sei que tenho sido, não poucas vezes, derrotado pela pressa,
que me espojo na anedota ou a embalo
na folha-de-flandres da conversa,
bem sei que muitos dos meus versos
nem para atacadores.
Sei que não se deve, que não é táctico cuspinhar contra o vento,
que logo, a jusante, um sujeito nos berra:
— Ó cavalheiro sua besta e se faz obséquio fosses cuspir na tua irmã!
Sei que não é bonito jogar ao chinquilho nos salões,
onde há tocheiros, santos, meninada, abstracções, tias
que a minha malha pode ofender, partir.
Sei que o sal das palavras
vai saraivar, às vezes, carne viva.
Sei que a rapariga que vem forrar os cantos
onde os homens se juntam, magote de pexotes,
com a sua esquivança de felino,
não aguenta a palavra com que eu lhe pego na palavra
e à queima-roupa lhe atiro.

*
A poesia é a vida? Pois claro!
Conforme a vida que se tem o verso vem
— e se a vida é vidinha, já não há poesia
que resista. O mais é literatura,
libertinura, pegas no paleio;
o mais é isto: o tolo dum poeta
a beber, dia a dia, a bica preta,
convencido de si, do seu recheio...
A poesia é a vida? Pois claro!
Embora custe caro, muito caro,
e a morte se meta de permeio.

*
De permeio, a morte? Sim, a arrenegada,
venha rebuçada ou escancarada,
a que te ceifa inteiro ou se deita, primeiro,
de esperanças, na tua lástima de cama.

De permeio, pois pois, que isso de morrer
não faz parte de nenhum programa.

E podia fazer?


Alexandre O'Neill
Feira Cabisbaixa

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quinta-feira, 2 de junho de 2011

MEU CAMARADA E AMIGO

Meu Camarada e Amigo Revejo tudo e redigo
meu camarada e amigo.
Meu irmão suando pão
sem casa mas com razão.
Revejo e redigo
meu camarada e amigo

As canções que trago prenhas
de ternura pelos outros
saem das minhas entranhas
como um rebanho de potros.
Tudo vai roendo a erva
daninha que me entrelaça:
canção não pode ser serva
homem não pode ser caça
e a poesia tem de ser
como um cavalo que passa.

É por dentro desta selva
desta raiva deste grito
desta toada que vem
dos pulmões do infinito
que em todos vejo ninguém
revejo tudo e redigo:
Meu camarada e amigo.

Sei bem as mós que moendo
pouco a pouco trituraram
os ossos que estão doendo
àqueles que não falaram.

Calculo até os moinhos
puxados a ódio e sal
que a par dos monstros marinhos
vão movendo Portugal
— mas um poeta só fala
por sofrimento total!

Por isso calo e sobejo
eu que só tenho o que fiz
dando tudo mas à toa:
Amigos no Alentejo
alguns que estão em Paris
muitos que são de Lisboa.
Aonde me não revejo
é que eu sofro o meu país.

Ary dos Santos
Resumo

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quarta-feira, 1 de junho de 2011

DOIS MENINOS

Meu menino canta, canta
Uma canção que é ele só que entende
E que o faz sorrir.

Meu menino tem nos olhos os mistérios
Dum mundo que ele vê e que eu não vejo
Mas de que tenho saudades infinitas.

As cinco pedrinhas são mundos na mão.
Formigas que passam,
Se brinca no chão,
São seres irreais...

Meu menino d'olhos verdes como as águas
Não sabe falar,
Mas sabe fazer arabescos de sons
Que têm poesia.

Meu menino ama os cães,
Os gatos, as aves e os galos,
(São Francisco de Assis
Em menino pequeno)
E fica horas sem fim,
Enlevado, a olhá-los.

E ao vê-lo brincar, no chão sentadinho,
Eu tenho saudades, saudades, saudades
Dum outro menino...

Francisco Bugalho
Canções de Entre Céu e Terra

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