terça-feira, 29 de dezembro de 2009

EDIÇÃO DE AMANHÃ DO ALTO ALENTEJO


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POEMA DO SILÊNCIO

Sim, foi por mim que gritei.
Declamei,
Atirei frases em volta.
Cego de angústia e de revolta.

Foi em meu nome que fiz,
A carvão, a sangue, a giz,
Sátiras e epigramas nas paredes
Que não vi serem necessárias e vós vedes.

Foi quando compreendi
Que nada me dariam do infinito que pedi,
- Que ergui mais alto o meu grito
E pedi mais infinito!

Eu, o meu eu rico de baixas e grandezas,
Eis a razão das épi trági-cómicas empresas
Que, sem rumo,
Levantei com sarcasmo, sonho, fumo...

O que buscava
Era, como qualquer, ter o que desejava.
Febres de Mais. ânsias de Altura e Abismo,
Tinham raízes banalíssimas de egoísmo.

Que só por me ser vedado
Sair deste meu ser formal e condenado,
Erigi contra os céus o meu imenso Engano
De tentar o ultra-humano, eu que sou tão humano!

Senhor meu Deus em que não creio!
Nu a teus pés, abro o meu seio
Procurei fugir de mim,
Mas sei que sou meu exclusivo fim.

Sofro, assim, pelo que sou,
Sofro por este chão que aos pés se me pegou,
Sofro por não poder fugir.
Sofro por ter prazer em me acusar e me exibir!

Senhor meu Deus em que não creio, porque és minha criação!
(Deus, para mim, sou eu chegado à perfeição...)
Senhor dá-me o poder de estar calado,
Quieto, maniatado, iluminado.

Se os gestos e as palavras que sonhei,
Nunca os usei nem usarei,
Se nada do que levo a efeito vale,
Que eu me não mova! que eu não fale!

Ah! também sei que, trabalhando só por mim,
Era por um de nós. E assim,
Neste meu vão assalto a nem sei que felicidade,
Lutava um homem pela humanidade.

Mas o meu sonho megalómano é maior
Do que a própria imensa dor
De compreender como é egoísta
A minha máxima conquista...

Senhor! que nunca mais meus versos ávidos e impuros
Me rasguem! e meus lábios cerrarão como dois muros,
E o meu Silêncio, como incenso, atingir-te-á,
E sobre mim de novo descerá...

Sim, descerá da tua mão compadecida,
Meu Deus em que não creio! e porá fim à minha vida.
E uma terra sem flor e uma pedra sem nome
Saciarão a minha fome.

José Régio
As Encruzilhadas de Deus

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quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

A TODOS UM BOM NATAL

quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

IGNOTO DEO

Desisti de saber qual é o Teu nome,
Se tens ou não tens nome que Te demos,
Ou que rosto é que toma, se algum tome,
Teu sopro tão além de quanto vemos.

Desisti de Te amar, por mais que a fome
Do Teu amor nos seja o mais que temos,
E empenhei-me em domar, nem que os não dome,
Meus, por Ti, passionais e vãos extremos.

Chamar-Te amante ou pai... grotesco engano
Que por demais tresanda a gosto humano!
Grotesco engano o dar-te forma! E enfim,

Desisti de Te achar no quer que seja,
De Te dar nome, rosto, culto, ou igreja...
– Tu é que não desistirás de mim!

José Régio
Biografia

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terça-feira, 15 de dezembro de 2009

EDIÇÃO DE AMANHÃ DO ALTO ALENTEJO


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POEMA DA TERRA ADUBADA

Por detrás das árvores não se escondem faunos, não.
Por detrás das árvores escondem-se os soldados
com granadas de mão.

As árvores são belas com os troncos dourados.
São boas e largas para esconder soldados.

Não é o vento que rumoreja nas folhas,
não é o vento, não.
São os corpos dos soldados rastejando no chão.

O brilho súbito não é do limbo das folhas verdes reluzentes.
É das lâminas das facas que os soldados apertam entre os dentes.

As rubras flores vermelhas não são papoilas, não.
É o sangue dos soldados que está vertido no chão.

Não são vespas, nem besoiros, nem pássaros a assobiar.
São os silvos das balas cortando a espessura do ar.

Depois os lavradores
rasgarão a terra com a lâmina aguda dos arados,
e a terra dará vinho e pão e flores
adubada com os corpos dos soldados.

António Gedeão
Linhas de Força

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quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

EDIÇÃO DE HOJE DO ALTO ALENTEJO


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NONA SINFONIA

É por dentro de um homem que se ouve
o tom mais alto que tiver a vida
a glória de cantar que tudo move
a força de viver enraivecida.

Num palácio de sons erguem-se as traves
que seguram o tecto da alegria
pedras que são ao mesmo tempo as aves
mais livres que voaram na poesia.

Para o alto se voltam as volutas
hieráticas sagradas impolutas
dos sons que surgem rangem e se somem.

Mas de baixo é que irrompem absolutas
as humanas palavras resolutas.
Por deus não basta. É mais preciso o Homem.

Ary dos Santos
O Sangue das Palavras

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segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

CABOS DE ORDEM NO SEU PIOR - AUTARCAS DITADORES, GRANDES BURROS E FILHOS DA PUTA DE MERDA

PORTALEGRE CIDADE NO ANO DA GRAÇA DE 2009

Voltemos à cidade e a algumas reflexões que angustiam quem aqui nasceu...
Em primeiro lugar o espírito lagóia e uma das suas facetas: a admiração pelo estrangeiro e a de que a galinha da minha vizinha é sempre melhor que a minha.
Está a decorrer uma feira de Natal na Nerpor e, a avaliar pelos amigos comerciantes com que falei, os resultados são desastrosos como o prova a saída prematura de alguns comerciantes de fora de Portalegre e os dois(?) artigos que dois comerciantes meus conhecidos conseguiram vender.
Entretanto a caminho de Badajoz ou de Castelo Branco é um corropio de gente que, parece, se envergonha ou acha mais cool ou chique comprar fora de Portalegre.
É verdade que nem sempre o comércio local é o mais atractivo e faz o que tem a fazer...
Ainda ontem, junto ao Palácio da Justiça fui abordado por um automóvel de matrícula estrangeira cujos ocupantes procuravam dois conhecidos restaurantes da cidade, os únicos que queriam conhecer porque tinham sido indicados pela sua qualidade e pela relação preço/qualidade.
Acontece que, vindos do sul da cidade, tinham passado a vinte ou trinta metros de qualquer deles.
Não haverá dinheiro para umas placas que indiquem restaurantes ou outros locais de referência que qualquer estranho desespera por encontrar?

Por uma vez decidi fazer um reconhecimento, a pé,dos diferentes arruamentos e urbanizações daquilo que genericamente se costuma designar por Assentos.
Foi uma surpresa pois, a par de urbanizações recentíssimas, há jardins, ruelas , caminhos de terra batida e hortas num estilo próximo da Brandoa ou Reboleira pela sua desorganização.
Neste processo não há inocentes.
Há trinta ou quarenta anos começou-se um processo de alargamento da cidade, dito de urbanização, que transformou a cidade num caótico aglomerado de bairros e urbanizações que parecem semeadas ao sabor do vento...
Entretanto sugere-se a quem tem responsabilidades que faça o trajecto Assentos/casco histórico para ver, logo na Rua de Elvas, o resultado desta urbanização desenfreada, casas a cair, o abandono e a desertificação...

Para ajudar mais uma grande superfície se começa a construir no sul da cidade enquanto o casco histórico agoniza e se vão criando ilhas de abandono e desertificação.
Exemplos?
Esperamos para ver o que irá acontecer nos terrenos da Moagem ou dos antigos Lanifícios e qual o destino da Hotel D.JoãoIII.
Para quem ainda não percebeu como ultrapassar o problema sugerimos uma consulta aos estrategas do El Corte Inglés que constroem no centro das cidades, uma visita aos Le Printemps ou às Galerias Lafayette que ocupam zonas emblemáticas de Paris ou Berlim ou, para não ir mais longe, o que fazem algumas cidades portuguesas, como, por exemplo, a Guarda.
Como o mal já está feito urge remediar...
Sugestões?:
- avaliar com cuidado os projectos para os espaços atrás referidos não criando mais urbanizações que, a julgar por algumas que vi, vão ficar desertas pois, depois do esvaziamento de algumas freguesias rurais, não é de esperar que os concelhos vizinhos decidam transferir-se para a cidade...
Aliás teria sido preferível que o tal centro comercial ocupasse um desses espaços, pois como os próprios comerciantes da Rua do Comércio reconhecem, essa localização seria uma oportunidade para a dinamização do comércio tradicional.

Embora as notícias e os tempos não sejam de grande animação Boas Festas para todos.


Jorge Mangerona

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NUM BAIRRO MODERNO

Dez horas da manhã; os transparentes
Matizam uma casa apalaçada;
Pelos jardins estancam-se as nascentes,
E fere a vista, com brancuras quentes,
A larga rua macadamizada.

Rez-de-chaussée repousam sossegados,
Abriram-se, nalguns, as persianas,
E dum ou doutro, em quartos estucados,
Ou entre a rama do papéis pintados,
Reluzem, num almoço, as porcelanas.

Como é saudável ter o seu conchego,
E a sua vida fácil! Eu descia,
Sem muita pressa, para o meu emprego,
Aonde agora quase sempre chego
Com as tonturas duma apoplexia.

E rota, pequenina, azafamada,
Notei de costas uma rapariga,
Que no xadrez marmóreo duma escada,
Como um retalho da horta aglomerada
Pousara, ajoelhando, a sua giga.

E eu, apesar do sol, examinei-a.
Pôs-se de pé, ressoam-lhe os tamancos;
E abre-se-lhe o algodão azul da meia,
Se ela se curva, esguelhada, feia,
E pendurando os seus bracinhos brancos.

Do patamar responde-lhe um criado:
"Se te convém, despacha; não converses.
Eu não dou mais." È muito descansado,
Atira um cobre lívido, oxidado,
Que vem bater nas faces duns alperces.

Subitamente - que visão de artista! -
Se eu transformasse os simples vegetais,
À luz do Sol, o intenso colorista,
Num ser humano que se mova e exista
Cheio de belas proporções carnais?!

Bóiam aromas, fumos de cozinha;
Com o cabaz às costas, e vergando,
Sobem padeiros, claros de farinha;
E às portas, uma ou outra campainha
Toca, frenética, de vez em quando.

E eu recompunha, por anatomia,
Um novo corpo orgânico, ao bocados.
Achava os tons e as formas. Descobria
Uma cabeça numa melancia,
E nuns repolhos seios injetados.

As azeitonas, que nos dão o azeite,
Negras e unidas, entre verdes folhos,
São tranças dum cabelo que se ajeite;
E os nabos - ossos nus, da cor do leite,
E os cachos de uvas - os rosários de olhos.

Há colos, ombros, bocas, um semblante
Nas posições de certos frutos. E entre
As hortaliças, túmido, fragrante,
Como alguém que tudo aquilo jante,
Surge um melão, que lembrou um ventre.

E, como um feto, enfim, que se dilate,
Vi nos legumes carnes tentadoras,
Sangue na ginja vívida, escarlate,
Bons corações pulsando no tomate
E dedos hirtos, rubros, nas cenouras.

O Sol dourava o céu. E a regateira,
Como vendera a sua fresca alface
E dera o ramo de hortelã que cheira,
Voltando-se, gritou-me, prazenteira:
"Não passa mais ninguém!... Se me ajudasse?!..."

Eu acerquei-me dela, sem desprezo;
E, pelas duas asas a quebrar,
Nós levantamos todo aquele peso
Que ao chão de pedra resistia preso,
Com um enorme esforço muscular.

"Muito obrigada! Deus lhe dê saúde!"
E recebi, naquela despedida,
As forças, a alegria, a plenitude,
Que brotam dum excesso de virtude
Ou duma digestão desconhecida.

E enquanto sigo para o lado oposto,
E ao longe rodam umas carruagens,
A pobre, afasta-se, ao calor de agosto,
Descolorida nas maçãs do rosto,
E sem quadris na saia de ramagens.

Um pequerrucho rega a trepadeira
Duma janela azul; e, com o ralo
Do regador, parece que joeira
Ou que borrifa estrelas; e a poeira
Que eleva nuvens alvas a incensá-lo.

Chegam do gigo emanações sadias,
Ouço um canário - que infantil chilrada!
Lidam ménages entre as gelosias,
E o sol estende, pelas frontarias,
Seus raios de laranja destilada.

E pitoresca e audaz, na sua chita,
O peito erguido, os pulsos nas ilhargas,
Duma desgraça alegre que me incita,
Ela apregoa, magra, enfezadita,
As suas couves repolhudas, largas.

E, como as grossas pernas dum gigante,
Sem tronco, mas atléticas, inteiras,
Carregam sobre a pobre caminhante,
Sobre a verdura rústica, abundante,
Duas frugais abóboras carneiras.

Cesário Verde
O Livro de Cesário Verde

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terça-feira, 1 de dezembro de 2009

EDIÇÃO DE AMANHÃ DO ALTO ALENTEJO


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A CASTIDADE COM QUE ABRIA AS COXAS

A castidade com que abria as coxas
e reluzia a sua flora brava.
Na mansuetude das ovelhas mochas,
e tão estrita, como se alargava.

Ah, coito, coito, morte de tão vida,
sepultura na grama, sem dizeres.
Em minha ardente substância esvaída,
eu não era ninguém e era mil seres

em mim ressuscitados. Era Adão,
primeiro gesto nu ante a primeira
negritude de corpo feminino.

Roupa e tempo jaziam pelo chão.
E nem restava mais o mundo, à beira
dessa moita orvalhada, nem destino.


Carlos Drummond de Andrade
O Amor Natural

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